Wednesday, July 18, 2007

Ruídos na sombra

Não faz muito tempo, abri mão dessa vida comum. Agora, acima dos homens, enxergo seus conflitos e mediocridades.
A alma transcenderia o tempo. Tenho o corpo imutável, mas a alma, já não sei. Posso vê-los, ao longo do tempo, movendo, construindo e desfazendo. Caminho entre eles, todavia não participo da interação morna da vida, visto o elmo de Hades e, se o tirasse, talvez, poderiam apreciar minha beleza implacável.
A eternidade seria mais cruel para o homem que o tempo – por isso não lhe foi fornecida –, mas não sou mais humano: após presenciar o esvair de minha geração, enterrando meus amigos e parentes um a um, sinto que, embora tivesse alma, minha humanidade feneceu na sua própria fragilidade do sentir.
Da geleira do infinito, assisto-lhes brincando, e, desta condição privilegiada, enxergo como não compreenderem o tesouro que possuem em mãos. E, então, a morte parece-me uma bela mulher de vestido preto, com uma longa cauda, de pele cálida, mãos geladas e sorriso convidativo à apreciação da vida – tão necessária e coerente!
A finitude tem seu charme, a eternidade também – mas é um prazer solitário. Fui esquecido pelo mundo, os meus se foram. Somos, efêmeros ou não, para universo das lembranças, nuvens passageiras, e, neste mundo, apenas este firmamento tão absurdamente belo permanece inabalável.
Viver no anonimato é um tipo de morte. Uma ruína sofisticada e nobre do cosmos destinada às criaturas de minha estirpe.
E, para quem se orgulha de gozar do sentimento mais puro – o amor -, tenho uma informação importante: nós, seres da noite, pedaços dessa escuridão que proporciona a ti, mortal, observar tão penetrante céu estrelado, também possuímos tal anseio vindo do Eros.
Eis nossa sentença: a escravidão eterna desse desejo insaciável.

2 comments:

Moisés said...

Sabe quando gosto de um texto? Quando ele me dá sensações táteis. Ao ler o seu, senti-me sentado em um alto monte, contemplando essa finitude a que você se refere no seu escrito. Gostei, André. Senti um leve "quê" de desabafo, mas entendi que essa solidão é voluntária e, muitas vezes, é bem melhor observar o esvaziamento das coisas que acabarmos, nós mesmos, vazios.

Parabéns.

Anonymous said...

Cara, não te conheço e encontrei esse blog por acaso... Gostei do texto, vi ecos de Simone de Beauvoir (TODOS OS HOMENS SÃO MORTAIS), de mitologia grega e da existência parasítica dos vampiros... E tb de O FANTASMA DE CANTERVILLE (Wilde) e Moulin Rouge, qdo o dono do bordel diz a Satine: nós somos criaturas do submundo... não podemos nos dar ao luxo de amar!" Legal msm! Nem sei se vc pensou em alguma referência dessas (a mitologia grega, sim, vide o elmo de Hades), mas elas estão no texto, de alguma forma... Eu vi! rsrsrs